Sua origem paterna J. Paiva
Velha Sé, de Fortaleza-CE, demolida em 1938. Nela, João Francisco de Oliveira
construiu tribunas, coros,altares, por exímio artista que era. (Foto: Arquivo Nirez).
Como êle se comprazia em recordar certamente suas imagens de devoção nas páginas de "Dona Guidinha do Poço", embora talvez com espírito de imitação, olhasse com um tanto de respeitosa ironia, que não era descrença, alguma falsa idéia que o fanatismo ou a ignorância alimentasse com êsses objetivos de culto externo necessário e salutar! Como tudo isso, até mesmo a interpretação que se tem procurado dar a certos incidentes do romance me faz perpassar por minha imaginação, por minha sensibilidade religiosa nunca diminuída, graças a Deus, a saudade tão potuguesa e tão católica.
João Francisco de Oliveira (alíás Pereira, nome por êle só mudado pelo costume de usar o nome de família dos padrinhos) era natural da Ilha de São Miguel (Açores), filho de André Pereira e Jacinta Angélica Pereira.
Marceneiro de profissão para ganhar a vida, as viuvas pobres que o conheciam em Fortaleza colocavam em sua modesta oficina um filho menor para a aprendizagem, e êle não se contentava em ensinar-lhe a arte gratuitamente, pois aos sábados entregava ao aprendiz parte de sua féria da semana, para que mãe e filho pudessem sobreviver...
Em fins de 1851, o Presidente Almeida Rêgo autorizava-o por Lei a conseguir em pernambuco grades de ferro para tribunas, para tribunas, coros e pavimento da velha Sé demolida.
Igreja e Seminário da Prainha, vista no ângulo das atuais Av. Dom Manuel
e Rua Monsenhor Tabosa. (Foto: Arquivo Nirez)
e Rua Monsenhor Tabosa. (Foto: Arquivo Nirez)
Seminário da Prainha, vendo-se a atual Rua Mons. Tabosa ainda sem
calçamento e, na ponta à esquerda a Igreja Nossa Senhora da Conceição,
também conhecida por Igreja da Prainha. (Foto: Arquivo Nirez)
Na igreja da Prainha havia um grande órgão por êle fabricado, antes de vir outro da Europa. Em nossa casa havia gaitas de todos os tamanhos, dentro das quais modulara as diversas notas musicais, gravando com uma tinta indelével cada uma dessas notas. Ainda possuimos umas duas dessas gaitas. Restam também páginas com plantas de altares da Prainha, por êle construídos.
Igreja de São Francisco das Chagas - CANINDÉ-CE ( hoje, Basílica)(Foto : Google)Igreja Matriz de Sobral ( Catedral/Sé) (Igreja N. S. da Conceição) SOBRAL-CE (Foto: Google)
Cemitério São João Batista , cuja capela ( a central, maior), em
formato octogonal, foi projetada e construída pelo Mestre JoãoFrancisco de Oliveira. (Foto: site da Santa Casa da Misericórdia)
Em Canindé e Sobral trabalhou em igrejas. Construiu a capela do S.S. da Sé; e em 30 de abril de 1865 contratava com o Govêrno da
Província a construção da capela do Cemitério São João Batista pela quantia de 2.837$094. Na "Descrição da Cidade de Fortaleza", do douto historiador Antônio Bezerra tudo isso e outros fatos se encontram relatados no que tange à capital.
Também João Francisco de Oliveira foi fotógrafo. Escritos com tinta de cor, umas fixas, outras quase a desaparecer, às vezes com lápis, centenas de notas de suas pacientes e certamente caras caras experiências enchem um livro que tenho conservado.. Vai de 18 de julho de 1865 a 29 de junho de 1870. Acertando uma fórmula químico-fotográfica, nesta última data, êle dava esta nota particular, que para êle devia ser muito preciosa, com um "Glória a Deus". No mesmo livro, talvez escrito muitos anos depois, Manoel de Oliveira Paiva encheu 4 páginas com umas noções de Gramática Portuguesa, que não terminou e, em dezenas de outras páginas, uma de suas irmãs copiou vários cânticos religiosos que todos cantavam nos exercícios do Mês de Maria e outros. Estas notas servem para a crítica de "Dona Guidinha do Poço", onde há referências a cânticos religiosos.
Esse era pois, meu avô, pai de Manoel de Oliveira Paiva, português cujo talento, aliado ao amor ao trabalho, à pobreza, à honestidade que ia até o escrúpulo e o sacrifício, à dedicação à família e à vida religiosa, quase de um professo, não sei como possa louvar.
De sua primeira mulher, Emília Rosa de Oliveira, conheci a filha, Joana, a tia Joaninha, mãe de Tereza Botelho, que seria esposa de Manoel de Oliveira Paiva. Além dela houve Maria Virgínia, que casou com o Maestro Vitor Nepomuceno, filho adotivo Antônio Raposo, sendo Antonio Raposo primo de meu avô.
Certamente da figura do modesto e paupérrimo João Francisco de Oliveira, a quem João Brígido num artigo que não tenho em mão por tê-lo perdido, mas que foi publicado na edição do "O Unitário" há tempos consagrada ao grande jornalista, deu o título de"Mestre de todo ofício", podemos dizer que foi isso mesmo. Tudo êle tentou fazer, além do ganho do pão de cada dia. Chegou até a ser medidor de terra, tendo falecido em 1871 em consequência de uma pneumonia contraída em Maranguape, quando alí fora medir umas terras. Suas tentativas em torno da Fotografia tinham-lhe consumido a saude e os recursos. No êle mandar dia seguinte ao de sua morte, minha avó saía de sua casa que êle mandara construir para residência. Estava hipotecada. Essa casa ainda existe, na esquina da Avenida Duque de Caxias com a rua General Sampaio n. 1462.
Para o lado da Avenida Duque de Caxias ficava sua oficina, dependente dependente da casa da família, e ali hoje se acha o pôsto de automóveis Hudson. Sua vida, nos últimos anos, afanosa, difícil, cheia de trabalhos de artista pobre, mas elevada pelo talento e pelas virtudes, ali teve seus derradeiros dias. Era na velha estrada do Benfica, lugar naquêle tempo denominado "Três Cajueiros". Mais de uma vez, entusiasmado com as experiência de Banho de Prata, escrevia num português característico:
"Agoa - Agoa do Benfica acentada ou filtrada ataca pouco a prata.; A agoa do Benfica não destroi a prata".
Isso era entre outubro e novembro de 1869, segundo a posição em seu livro de notas.
(Por J. Paiva) (...continua...)
NOTAS:
1- As fotos que ilustram essa postagem, não constaram da biografia de Manoel de Oliveira Paiva publicada no jornal "O NORDESTE", em 1952. Achei por bem trazê-las aqui, para que os leitores tivessem um ideia do porte das igrejas em que João Francisco do Oliveira empregara seu ofício.
2- Mantive a escrita de J. Paiva, o autor do escrito, na íntegra e com a ortografia da época.
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Na próxima semana, trarei o capítulo III.
Até lá! Meu carinho, num abraço, a todos...