quarta-feira, 25 de abril de 2012

O NORDESTE - SEGUNDA-FEIRA , 05 DE MAIO DE 1952

MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA (II)
Sua origem paterna                      J. Paiva
Velha Sé, de Fortaleza-CE, demolida em 1938. Nela, João Francisco de Oliveira
construiu tribunas, coros,altares, por exímio artista que era.  (Foto: Arquivo Nirez).

Como êle se comprazia em recordar certamente suas imagens de devoção nas páginas de "Dona Guidinha do Poço", embora talvez com espírito de imitação, olhasse com um tanto de respeitosa ironia, que não era descrença, alguma falsa idéia que o fanatismo ou a ignorância alimentasse com êsses objetivos de culto externo necessário e salutar! Como tudo isso, até mesmo a interpretação que se tem procurado dar a certos incidentes do romance me faz perpassar por minha imaginação, por minha sensibilidade religiosa nunca diminuída, graças a Deus, a saudade tão potuguesa e tão católica.

João Francisco de Oliveira (alíás Pereira, nome por êle só mudado pelo costume de usar o nome de família dos padrinhos) era natural da Ilha de São Miguel (Açores), filho de André Pereira e Jacinta Angélica Pereira. 
Marceneiro de profissão para ganhar a vida, as viuvas pobres que o conheciam em Fortaleza colocavam em sua modesta oficina um filho menor para a aprendizagem, e êle não se contentava em ensinar-lhe a arte gratuitamente, pois aos sábados entregava ao aprendiz parte de sua féria da semana, para que mãe e filho pudessem sobreviver...
Em fins de 1851, o Presidente Almeida Rêgo autorizava-o por Lei a conseguir em pernambuco grades de ferro para tribunas, para tribunas, coros e pavimento da velha Sé demolida.
Igreja e Seminário da Prainha, vista no ângulo das atuais Av. Dom Manuel
e  Rua Monsenhor Tabosa. (Foto: Arquivo Nirez)
Seminário da Prainha, vendo-se a atual Rua Mons. Tabosa ainda sem
calçamento e, na ponta à esquerda a Igreja Nossa Senhora da Conceição,
também conhecida por Igreja da Prainha. (Foto: Arquivo Nirez)
Na igreja da Prainha havia um grande órgão por êle fabricado, antes de vir outro da Europa. Em nossa casa havia gaitas de todos os tamanhos, dentro das quais modulara as diversas notas musicais, gravando com uma tinta indelével cada uma dessas notas. Ainda possuimos umas duas dessas gaitas. Restam também páginas com plantas de altares da Prainha, por êle construídos. 
Igreja de São Francisco das Chagas - CANINDÉ-CE ( hoje, Basílica)(Foto : Google)
Igreja Matriz de Sobral ( Catedral/Sé) (Igreja N. S. da Conceição) SOBRAL-CE (Foto: Google)
Cemitério São João Batista , cuja capela ( a central, maior), em
 formato octogonal, foi projetada e construída pelo Mestre João
Francisco de Oliveira. (Foto: site da Santa Casa da Misericórdia)
Em Canindé e Sobral trabalhou em igrejas. Construiu a capela do S.S. da Sé; e em 30 de abril de 1865 contratava com o Govêrno da
Província a construção da capela do Cemitério São João Batista pela quantia de 2.837$094. Na "Descrição da Cidade de Fortaleza", do douto historiador Antônio Bezerra tudo isso e outros fatos se encontram relatados no que tange à capital.

Também João Francisco de Oliveira foi fotógrafo. Escritos com tinta de cor, umas fixas, outras quase a desaparecer, às vezes com lápis, centenas de notas de suas pacientes e certamente caras caras experiências enchem um livro que tenho conservado.. Vai de 18 de julho de 1865 a 29 de junho de 1870. Acertando uma fórmula químico-fotográfica, nesta última data, êle dava esta nota particular, que para êle devia ser muito preciosa, com um "Glória a Deus". No mesmo livro, talvez escrito muitos anos depois, Manoel de Oliveira Paiva encheu 4 páginas com umas noções de Gramática Portuguesa, que não terminou e, em dezenas de outras páginas, uma de suas irmãs copiou vários cânticos religiosos que todos cantavam nos exercícios do Mês de Maria e outros. Estas notas servem para a crítica de "Dona Guidinha do Poço", onde há referências a cânticos religiosos.
Esse era pois, meu avô, pai de Manoel de Oliveira Paiva, português cujo talento, aliado ao amor ao trabalho, à pobreza, à honestidade que ia até o escrúpulo e o sacrifício, à dedicação à família e à vida religiosa, quase de um professo, não sei como possa louvar.
De sua primeira mulher, Emília Rosa de Oliveira, conheci a filha, Joana, a tia Joaninha, mãe de Tereza Botelho, que seria esposa de Manoel de Oliveira Paiva. Além dela houve Maria Virgínia, que casou com o Maestro Vitor Nepomuceno, filho adotivo Antônio Raposo, sendo Antonio Raposo primo de meu avô.
Certamente da figura do modesto e paupérrimo João Francisco de Oliveira, a quem João Brígido num artigo que não tenho em mão por tê-lo perdido, mas que foi publicado na edição do "O Unitário" há tempos consagrada ao grande jornalista, deu o título de"Mestre de todo ofício", podemos dizer que foi isso mesmo. Tudo êle tentou fazer, além do ganho do pão de cada dia. Chegou até a ser medidor de terra, tendo falecido em 1871 em consequência de uma pneumonia contraída em Maranguape, quando alí fora medir umas terras. Suas tentativas em torno da Fotografia tinham-lhe consumido a saude e os recursos. No êle mandar dia seguinte ao de sua morte, minha avó saía de sua casa que êle mandara construir para residência. Estava hipotecada. Essa casa ainda existe, na esquina da Avenida Duque de Caxias com a rua General Sampaio n. 1462.
Para o lado da Avenida Duque de Caxias ficava sua oficina, dependente dependente da casa da família, e ali hoje se acha o pôsto de automóveis Hudson. Sua vida, nos últimos anos, afanosa, difícil, cheia de trabalhos de artista pobre, mas elevada pelo talento e pelas virtudes, ali teve seus derradeiros dias. Era na velha estrada do Benfica, lugar naquêle tempo  denominado "Três Cajueiros". Mais de uma vez, entusiasmado com as experiência de Banho de Prata, escrevia num português característico: 
"Agoa - Agoa do Benfica acentada ou filtrada ataca pouco a prata.; A agoa do Benfica não destroi a prata".
Isso era entre outubro e novembro de 1869, segundo a posição em seu livro de notas.
(Por J. Paiva)                                                                                                    (...continua...)


*******
NOTAS:
1- As fotos que ilustram essa postagem, não constaram da biografia de Manoel de Oliveira Paiva publicada no jornal "O NORDESTE", em 1952. Achei por bem trazê-las aqui, para que os leitores tivessem um ideia do porte das igrejas em que João Francisco do Oliveira empregara seu ofício.
2- Mantive a escrita de J. Paiva, o autor do escrito, na íntegra e com a ortografia da época.

*******

Na próxima semana, trarei o capítulo III.
Até lá! Meu carinho, num abraço, a todos...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O NORDESTE SEGUNDA-FEIRA, 28 DE ABRIL DE 1952

MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA (I)
Sua origem materna                                   J. Paiva      
Antigo Engenho Tamatanduba, Rio Grande do Norte,
onde nasceu Maria Isabel de Castro Paiva, que viria a se casar,
  em Fortaleza, com o português, da Ilha de São Miguel dos Açores,
João Francisco de Oliveira, e seriam pais de Manoel de Oliveira Paiva.
(Imagem registrada por Lúcia Paiva, em viagem de pesquisa - 2007)
Ainda no tempo em que tomei conhecimento de minha existência, sobretudo num ambiente de íntima e piedosa veneração pelo passado de nossa família, a casa como que retratava, nos móveis antigos, nas fotografias com indumentárias de casa e saia-balão, numa porção de cartas, numa coleção de estampas religiosas, num enorme oratório cheio de imagens portuguesas, emvários pequenos objetos significativos para a caracterização de pessoas e fatos que, umas e outras,  ficaram para trás, uma visão de saudoso mergulho mental nessa época, que o meu espírito romântico não chegara a alcançar. Ao vir ao mundo, a 7 de novembro de 1895, já ia fugindo, talvez com medo do Progresso, uma fase doméstica que um dia seria preciso pôr à luz do sol, se alguns vultos dos nossos, nimbado de glória, a isso forçasse a um dos membros mais tocado pelo amor à sua gente. E chegou, afinal esse dia, e dessa doce incumbência a Divina Providência me incumbiu. É que, julgando-me bem dizer sozinho no extremo desse rio do passado, confesso que aprendi a sempre venerar, a amar, a adorar o que foi e continua a ser digno, nesse culto da Grande Família, de cuja decadência morre a nossa Civilização.

Já se foram, em 1950 e 1951, minhas inesquecíveis irmã e mãe, descansar de uma vida, de mim quase de todo participada, de privações e provações, porém cheia de tristes mas consoladoras reminiscência, sempre conservadas pelo zelo e honradas pela imitação de virtudes que alguns dos parentes praticaram em grau não comum. Depois da morte de meu pai, entre meus nove e dez anos de idade, minha saudosa mãe nos tomara, a mim e minha irmã, seus dois únicos filhos, confidentes da séries de episódios de família a que assistira, ou que os nossos avós lhe haviam narrado. Agora, no momento em que meu tio, seu irmão, falecido a 29 de setembro de 1892, há quase sessenta anos, com a impressão de um dos seus romances, que ao morrer já terminara fazia alguns meses, ainda inédito por uma esquisita sorte, veio levantar, com o crime dessa tão viva "Dona Guidinha do Poço" pela mão invisível de seu gênio de artista, a cortina que ocultava, sob os originais guardados religiosamente por Américo Facó e Antônio Sales, a paisagem tão clara e pinturesca, tão cheia de enredo e interesse, do Ceará da segunda metade do século passado, é tempo de cumprirmos um antigo desejo, que é sagrado dever.

A força de nos contar certo lance de tragédia na minha família, a mamãe, (Rosa de Oliveira Paiva) cuja figura ainda antevejo em minha tia, (Luiza de Oliveira Paiva) tornara a lição bem sabida pelos dois filhos, eu e minha irmã, Maria Carmelita de Oliveira Paiva. Não era escrito mas narrado de viva voz; e, contudo, exibindo-o dentro de minha memória, não tenho vontade de preferir-lhe um film desses que servem mais à indústria que à Verdade, à Beleza e ao Bem no seu sentido integral, que é a dignidade humana.

No fundo de um dos grandes baús da casa, a mamãe nos mostrava de quando em quando, nos dias longos em que costurava tendo-nos ao seu lado, ou nas noites, no sossego da sala de jantar, uma pedra mármore que depois de cinqüenta anos que a observo, ainda contemplo, com lágrimas nos olhos d'alma, com a inscrição: "Vicente Ferreira de Paiva - assassinado no dia 3 de fevereiro de 1842 - 24 de agosto de 1872 - J.J.P " - Que era isso?

Vicente Ferreira de Paiva, avô materno de Manoel de Oliveira Paiva, e meu avô paterno e bisavô materno, fora morto de emboscada em Pedra de Fogo, província de Pernambuco, naquele remoto 1842. Saíra do engenho Tamatanduba, Rio Grande do Norte, o qual em várias biografias de nossa parentela, aparece no Dicionário Bio-bibliográfico, do Barão de Studart, como propriedade de Bernardo Freire de Castro. Ali, digamos de passagem, tiveram formação ou encontro, os Freire, os Brito, os Araújo,, os Ferreira, os Paiva, os Câmara, os Sidrim, os Queirós, os Bandeira de Melo, os Albuquerque de Barros, os Bizerril, os Bizarrias, que sei mais? Cito sem ordem, sem uma ligação entre si, que em parte já foi estudada em alguma pesquisa genealógica, ninho esse que deve ter sido de alianças que entrelaçaram inúmeras famílias do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Pernambuco, do Ceará e talvez de mais distantes Províncias, pois ali poderemos encontrar uma das caudais do nosso povoamento. Também desejaria bem conhecer a trama desse crime atribuído ao célebre André de Cunhaú, numa fase de lutas de partidos em que as próprias famílias se digladiavam sem piedade, e as vítimas se sucediam fatalmente.

Esse assassino muito fez sofrer minha avó e bisavó, a Madrinha, como se chamava em casa e que, ainda criança, vi morrer docemente, depois de me ter ensinado a rezar. Indo a negócios a Recife, desprezando avisos da família e dos amigos, alegando na sua reta consciência, que "quem não deve não teme", fora perder a vida montado a cavalo muito adiante dos seus comboieiros, aos quais precedera para observar corajosamente perigosas entradas pelos sertões. A um seu genro, quase pelo mesmo tempo, acontecera o mesmo, tendo descendido de sua filha, Maria Benvinda, o médico cearense Antônio Ambrósio Carneiro, pai do doutor Araken Carneiro.

De Vicente Ferreira de Paiva, casado pela primeira vez com Maria Rita do Amor Divino, descende o cel. Antônio Pereira de Brito Paiva, pai do Marechal Vicente Osório de Paiva e do Desembargador Joaquim Olímpio de Paiva. Casado pela segunda vez com Ana Joaquina de Castro, filha de Gonçalo Gomes de Castro e Maria Rita de Revorêdo, um de seus filhos foi meu pai, José Joaquim de Paiva; e também Maria Isabel, que teria de ser mãe do irrequieto mas martirizado Manoel de Oliveira Paiva, e minha querida avó materna, sobre cuja figura encanecida, que desapareceu há mais de 45 anos, ainda paira no meu espírito, por santa que era...

Aquela lousa sepulcral, trinta anos depois da morte trágica do meu avô, gravada por meu outro tio materno, João de Oliveira Paiva (que ingressou como artista que era na Padaria Espiritual , fundada a 30 de maio de 1892, quando o tio Manoel se aproximava de sua edificante morte a 29 de setembro do mesmo ano), isso há quase 80 anos, ainda nítida como se fora recentemente, o papai tinha ido levá-la ao túmulo de meu avô, em Pedra de Fogo (depois de ter corrido o Brasil até o Rio de Janeiro, onde vivera vários anos) como preito de saudade de toda a família, tendo porém desistido da viagem porque, em curto tempo, aquele trágico acontecimento tivera ressonância aqui mesmo no Ceará, onde tinham vindo residir, também seus irmãos por parte de pai, Miguel Pereira Paiva, casado na família Barroso, e Antônio Pereira de Brito Paiva, o terrível "Velho Paiva", pai do Marechal e do Desembargador, eminente vulto político que vi morrer a 22 de janeiro de 1901. Os amigos de meu pai temiam uma revindita.

Esse crime de Pedra de Fogo, obrigando minha avó e bisavó, parece-me que em 1845, como se apressada pela seca, a residir em Fortaleza, afastando-se dos sertões dos Inhamuns, mudou o destino da minha família, como que preparando, de modo indireto, o gênio e a celebridade do tio Manoel de Oliveira Paiva e do meu primo Alberto Nepomuceno. Artistas, um das letras e outro da música, vazado ao molde de homem completo que foi o português e açoriano de São Miguel, a quem João Brígido chamou um dia de "Mestre de todo o ofício", como veremos pela origem paterna, no capítulo seguinte...
(Por J. Paiva)


&&&&&&&

NOTAS: 
1- Escrevi na íntegra, esse primeiro capítulo da biografia de Manoel de Oliveira Paiva, da mesma forma  que J. Paiva (José Joaquim de Oliveira Paiva - meu pai ) fez publicar no jornal "O NORDESTE", na Segunda-Feira do dia 28 de Abril de 1952.

2- Quem me acompanha, neste blog, desde o mês de agosto de 2011, deve ter percebido que, muitos dos fatos que eu narrei na série SAGA DE UMA FAMÍLIA encontra-se nessa biografia, por ter sido esta a "fonte" principal, para aquelas publicações. É 
importante dizer que, na altura em que meu pai escreveu essa biografia, publicada em jornal, ele ainda não havia recebido a carta do eminente historiador/pesquisador LUIS DA CÂMARA CASCUDO, que muito viria esclarecer sobre a localização geográfica do ENGENHO TAMATANDUBA.

3-Nessa biografia, meu pai se refere à cidade Pedra de Fogo, onde Vicente Ferreira de Paiva foi assassinado. Na verdade, o nome correto é Pedras de Fogo. Este nome foi esclarecido quando, em 2007 fui, com meu marido ao antigo Engenho Tamatanduba, no Rio Grande do Norte, para a pesquisa sobre meus ascendentes que, de lá, após o assassinato de meu bisavô,Vicente Ferreira de Paiva, emigraram para o Ceará.


&&&&&&&

Voltarei, na próxima semana, com: MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA (II)  - Sua origem paterna.   _Meu abraço, forte!









quarta-feira, 11 de abril de 2012

UMA BIOGRAFIA, À LUZ DAS RECORDAÇÕES DA FAMÍLIA...


Manoel de Oliveira Paiva (1861-1892)
À sua esquerda, Manoel de Oliveira Paiva, ao
 lado do amigo Antônio Martins, seu  companheiro
de lutas políticas e literárias. (Foto: arquivo de família)
Muito tenho dito aqui, sobre Manoel de Oliveira, Paiva, meu tio-avô paterno, irmão de minha avó Rosa e sobrinho de meu avô, José Joaquim, que era tio da minha avozinha Rosa, também, claro!
Quando trouxe à essas páginas, os capítulos de "SAGA DE UMA FAMÍLIA", em 2011, algumas vezes citei Manoel. Nas postagens do último mês de março, anterior à última, trouxe um pouco da obra desse cearense bravo que teve vida tão breve, mas tão "rica", em suas produções literárias: dois romances, dezenas de contos e muitas poesias. 
Além do seu engajamento, nas lutas sociais de seu estado natal, o Ceará.
Dizia eu também, em algum momento, que meu pai, que "venerava" a figura do tio, falecido antes de seu nascimento, o que só viria a ocorrer em 1895 (Manoel, falecera em 1892), escrevera e publicara em jornal de Fortaleza, "O Nordeste", uma biografia que, segundo ele,  fora elaborada "à luz das recordações da família".
Dizia eu, também aqui, que o primeiro romance  de Manoel de Oliveira Paiva, "Dona Guidinha do Poço"  só foi publicado 60 anos depois de sua morte, por obra de um  "acaso". No prefácio do livro, publicado pela Editora Saraiva, em 1962, a escritora Lúcia Miguel Pereira relata todo o "enredo", do tal feliz acaso...

Pois bem. Tenho a cópia da biografia feita por meu pai, cuja esperança em publicar em livro eu "nutria" . No entanto, dada as dificuldades em fazê-lo, decidi, agora, publicá-la neste espaço virtual. Tal decisão, se deve ao fato de, essa biografia já está completando, neste ano, exatamente 60 anos, que foi escrita e publicada, em capítulos, no jornal "O Nordeste". O mesmo espaço de tempo que levou o primeiro romance de Oliveira Paiva para ser publicado em livro. Sabe-se que, um outro romance do autor, "A Afilhada" havia saído publicado em folhetim, em 1891, pouco antes de sua prematura morte.
A biografia, escrita por J. Paiva (José Joaquim de Oliveira Paiva, 1895- 1977), meu pai, foi publicada em 25 capítulos, em dias alternados, iniciando-se no dia 28 de abril de 1952 e concluindo-se a 24 de julho do mesmo ano.
Um fato interessante, é que em 1962, ano do centenário de nascimento de Manoel de Oliveira Paiva, ocorreram várias homenagens à sua memória, em Fortaleza, tendo sido inaugurada uma grande avenida com o nome de "Av. Oliveira Paiva" ..Naquele mesmo ano, um crítico literário, Braga Montenegro, viera à nossa casa, pedir emprestado, ao meu pai, os originais que ele guardara em seus arquivos, dos exemplares do jornal "O Nordeste"...Ele emprestou mas, nunca mais os obteve de volta. Assim, para recuperar esses jornais fomos, dois irmãos meus, comigo, fazer intensas buscas nos arquivos e bibliotecas da cidade. No entanto, na maioria das vezes, os jornais, pelo tempo transcorrido, estavam deteriorados, tornado-se quase impossível a leitura completa. Após muitas pesquisas, utilizando fotografia digital, conseguimos reunir todos os capítulos... 
Publicar a biografia de Manoel de Oliveira, agora, é uma questão de "honra", de minha parte, para realizar um desejo de meu pai, autor da mesma, 35 anos após a sua morte, aos 82 anos de idade. É, também, um dever para com os cearenses, compartilhando assim, com os nossos conterrâneos, uma narrativa de um perfil desconhecido pelo leitor de Oliveira Paiva, haja visto que, até então, as biografias publicadas narram fatos semelhantes entre si, diferente dessa, que brotou ..."à luz das recordações da família".


!!!!!!!!!!!!

Voltarei, com a biografia de Manoel de Oliveira Paiva I ... Sua origem materna...    Um abraço!

terça-feira, 3 de abril de 2012

UMA PRESENÇA FELINA, PREENCHENDO UMA AUSÊNCIA HUMANA...

A SEMENTINHA... DO AMOR!
Ao lado de um almofariz de bronze e um ferro de engomar, 
no armário mais alto da casa, para onde ela sempre "escala"... 
(Foto: Lúcia Paiva)
Como  viram, na postagem anterior, meu filho e minha nora estão cursando Medicina Veterinária. Só de "netos felinos", já tenho seis: o Romeu, o Juca, o Mike, o Oliver, o Raul e a Luma. Todos adotados, todos encontrados e recolhidos nas ruas de Mossoró, cidade  do Rio Grande do Norte, onde os dois estudam e residem. Quando estão aqui de férias, na casa da "vovó" Lúcia, tudo  fica uma imensa festa...

Devo dizer que, a Sementinha foi o 1º felino que o casal R&R (Raquel e Rodrigo)  adotou. Ela foi resgatada da rua, há quase 4 anos, logo que eles iniciaram o curso. Segundo eles, o nome "Sementinha", é porque  ela representava a "semente do amor". Agora, vejo que foi mesmo, e de um amor que só vem crescendo, tanto entre o casal, quanto pelos felinos...Observem que, a nossa gata branca, de "olhar" verde, é deficiente visual. Não sabemos a causa da "atrofia" de seu olho direito. Quando ela foi resgatada, da rua, pelos primeiros "pais adotivos" ( R&R), já apresentava o "problema". No entanto, há dois meses, o próprio Rodrigo, o "ex-pai" dela,  a operou, extraindo o olho cego e suturando a pálpebra inferior à pálpebra superior. Esse procedimento, se deveu à questão de higiene e, (por que não? ) de "estética"...Todos os dias, eu tinha que higienizar a região do olho cego, com soro fisiológico, 3 a 4 vezes, devido à secreção que expelia e, "enfeiava", a minha linda bichana...

Em fins do ano 2008, combinamos, meu marido e eu que iríamos passar, o Natal e dia de Ano Novo, distante de Fortaleza, só nós dois..., "coisa" que  nunca havíamos feito, em época natalina. Meu marido, não estava bem de saúde,  precisava de um pouco de tranquilidade, para recuperar o seu estado físico, já bastante debilitado, devido à famigerada diabetes...
Trocamos então de casas: fomos para Mossoró e nossos filho e nora vieram para nossa casa (eles costumm vir sempre  nas férias, feriados e alguns finais de semana mas, dessa vez, seria diferente!). Fizemos então  reservas, em hotel, na Serra de Martins (RN) para o Natal e Ano Novo. Tudo correu linda e harmoniosamente...  Passamos ainda alguns dias em casa do Rodrigo e Raquel, tendo como companhia a branca e linda gata Sementinha ("filha adotiva" do casal, naquela época). 
Aconteceu que, tanto meu marido quanto eu, nos apaixonamos, loucamente, pela meiga felina branca...de miado tão suave...!!!
Telefonamos aos dois, passando os nossos "últimos" sentimentos para o filho e nora e, após conversas, para lá e para cá, ambos resolveram nos "doar" a Sementinha, antecedendo, porém, a seguinte  pergunta: - "Vocês dois querem, mesmo, ficar com ela, mamãe?"...

Trouxemos a Sementinha para nossa casa, em Fortaleza e, desde então, ela passou a ser o nosso "xodó"...Já lá se vão, mais de 3 anos!

Na data de hoje, 3 de abril, há 68 anos, nascia o meu marido - Gambeta de Anunciação Fernandes Rodrigues - um cidadão português, de Goa. Há exatos 5 meses, no dia 3 de novembro, "partia", o "pai" da Sementinha, pai do Rodrigo e meu fiel e amado companheiro. 
Com as imagens da minha grande amiga felina, tão afetuosamente  acarinhada sempre por ele, quero homenageá-lo, pelo seu aniversário, ainda que esteja ausente, em sua presença física...
Lá  vai ela,  a procura de lugares altos...fica lá, um bom tempo...
Tranquila, sobre o mais alto móvel da sala, na "quina"
  do armário, quase a encostar-se no teto...e,
 
...lá, dormiu bastante, na pontinha do armário. Depois, desce, altaneira,
 com porte  de  rainha...."pensando" que é mulher!!!
Para, sobre o porta-cds, olha para os "obstáculos", no outro móvel e,
desiste....(mas às vezes ela "passeia" nesse móvel ao lado, driblando
as peças e,...nada derruba...com seus passos leves, como pluma!
Acontece, inúmeras vezes, voltar, pensar, parar e....deitar-se, neste 
estreito e estranho lugar...para ouvir um  pouco de música.
Horas depois, a procuro e já está em outro cômodo da casa, que
pode ser o estreito "quartinho" da bagunça...aquele, das 
das "tralhas e trecos". sobre uma velha penteadeira...
que , no espelho ,reflete  tudo, até meu rosto, 
sorrindo das traquinagens de uma gata traquina...
De repente, vejo-a sobre a cristaleira, onde está parte
de meu "antiquário", com objetos trazidos de viagens...
Mas, como tem pouco espaço, ela não gosta....
Mesmo assim, ela senta-se, como uma bela estátua...
Mas, é por poucos minutos, logo prepara o "pulo do gato",
literalmente....lá embaixo, está a mesa de jantar...e o chão...
Fica escolhendo o local e mira, com seu belo e único olho verde...
O "alvo", foi a mesa! Ralho com ela, mando-a
descer, ela obedece, pula para o chão e...
...atravessa  a soleira da porta, sai triste ,mas faceira,  
a passear... pela  área externa do apartamento.
Ao retornar da caminhada,  acomoda-se no sofá....
...para, só mais tarde, deitar-se, preguiçosamente, em seu "berço esplêndido"...
"Amigo, é aquele que está sempre ao seu lado, respeitando e aceitando o seu espaço e principalmente o seu modo de ser e de viver. Amigo, compartilha amor, carinho, alegria, tristeza, confiança e companheirismo. Gato, é   dotado de todas essas qualidades que o torna o melhor amigo do homem". (Autor desconhecido).


*******



Encerro esta postagem, publicando as duas últimas fotos, não muito recentes, em que um "quarteto", meu filho, minha nora, meu marido e eu, aparece junto...
Esta foto é de 21 de março de 2011, "fim de festa" do aniversário
do Rodrigo...(foto: Ricardo, irmão da Raquel)
Esta foto, foi no dia de meu aniversário, em  2010 .
(Rodrigo, clicou)
Em toda FAMÍLIA, há "mudanças" periódicas, de seus membros. Pela "lei" natural da vida, pessoas vão nascendo e outras vão morrendo. Todos, temos que conviver e nos conformar com o que se costuma chamar desígnios, determinações, destinos, seja lá que nome se dê...
Considero a fotografia, uma das mais importantes invenções do homem. Nelas, os momentos são eternizados. Nelas,
podemos recordar nossos entes amados. Nelas, podemos "curtir", as SAUDADES... 

*******

Volto, pra semana! FELIZ PÁSCOA! Um abraço!

quarta-feira, 28 de março de 2012

DO PRESENTE E DO FUTURO...

"QUEM FOSSE DEPOIS DE MIM"
"As aparências, enganam"...não é um aniversário de criança...
é  o do Rodrigo Alboim, meu único filho,no último dia 21,a 1/4
de século de seu nascimento...(ele está agachado, à 
direita de quem olha, bem à frente do seu amor, Raquel)

Em todo o mundo comemorou-se, a 21 de março último, o Dia Mundial da Poesia. Meu único filho, que por tal já é um poema, nasceu nessa data. Eu nunca havia passado, um dia 21 de março, longe do meu filho. Mas é que, atualmente, ele estuda em outra cidade e, pela data ter "caído" numa quarta-feira, não podemos estar juntos, aqui em Fortaleza, nem eu, devido ao trabalho, pude ir à cidade onde  ele está, estudando e morando, que é Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Há dias, recebi algumas fotos da comemoração do seu aniversário. Gostei de ver essa turminha saudável, de futuros doutores em Medicina Veterinária, "fantasiados" de crianças, num belo cenário "infantil " , repleto de balões coloridos. 
VIVA, A NOSSA JUVENTUDE!!!
Hoje, amigos de faculdade, amanhã, Médicos Veterinários...!!!
 Que sejam excelentes profissionais!!! Votos de mãe!!!
Fiquei tão emocionada, e compensada, recebendo essas fotos, por não tê-lo tido naquele dia, que resolvi, ainda que passados 7 dias, prestar-lhe uma homenagem, aqui... Mas de que forma? perguntei cá, "aos meus botões"!
Rodrigo segurando o bolo, ao lado do seu amor,Raquel, rodeado de amigos...
No próximo ano, estaremos juntos, para comemorar a formatura
desse belo grupo jovem e mais um aniversário do meu Rodrigo...
Decidi por uma poesia, com a "prata da casa". Lancei mão do
livro "Palavras e Coisas" do meu mano Zemaria (B. de Paiva), lembrando-me que lá havia um interessante poema ("moderno" - de 1958) dedicado à Tereza, então sua jovem esposa, quando ainda não havia nascido o primeiro filho do casal.
Folheei o livro e lá encontrei, à página 14, o poema que aqui transcrevo, homenageando o meu único filho, pelo seu aniversário:

QUEM FOSSE DEPOIS DE MIM

... que meu filho fosse simples, mas de ouro
... que meu fosse de ouro, mas justo.
... que meu filho fosse justo, mas poeta.
... que meu filho fosse poeta, mas alegre.
... que meu filho fosse alegre, mas chorasse.
... que meu filho chorasse, mas sem dores.
... que meu filho não as tivesse, mas pensasse.
... que meu filho pensasse, mas decidisse.
... que meu filho decidisse, mas com digni-
                                                        [ dade.
... que meu filho fosse digno, mas amasse.
... que meu filho fosse simples, mas de ouro.
                                       mas justo.
                                       mas poeta.
                                       mas alegre.
                                       mas chorasse.
                                       mas sem dores.
                                       mas pensasse.
                                       mas com dignidade.
... que meu filho fosse simples, mas amasse.
(Autor:  B. de Paiva ).

########


Daqui a 1 semana,+ou -, eu volto....Um abraço!

quarta-feira, 21 de março de 2012

APÓS 3 CONTOS, 3 SONETOS...

"SONS DE VIOLA",
de OLIVEIRA PAIVA (1861-1892)
Almir Sater canta "Um violeiro toca":
 música e letra de sua autoria.
Na obra completa de Manuel de Oliveira Paiva, encontramos 11 contos, 2 romances e  pouco mais de 3 dezenas de poesias...Em "Sons de Viola", que equivale a um livro, que fora publicado em jornal de Fortaleza, em 1884, há 11 sonetos. Desses sonetos, selecionei apenas 3, para hoje publicar aqui. 
Há dias descobri, na internet, o livro Os Sons dos Negros no Brasil: contos, daças, folguedos, origens - de José Ramos Tinhorão - em que é feita  referências a Manuel de Oliveira Paiva e a seu romance "Dona Guidinha do Poço", nas descrições de alguns de seus personagens, das danças, dos batuques dos negros, e até cita uma estrofe de um baião, contida no romance. Interessante, também, é a referência feita por Tinhorão ao fado carioca,  na obra de outro romancista brasileiro. Diz o autor:


Sempre com a mesma precisão de observação, Manuel de Oliveira Paiva prossegue mostrando como a dança - cantoria o baião constituía, na verdade, uma forma de samba sertanejo:
                           
                           "Os cantadores largavam a goela no mundo, impregnando no verso a volúpia do baião:
                             
                           "Todo o branco quer ser rico,
                             Todo mulato é pimpão,
                             Todo o cabra é feiticeiro,
                             Todo o caboclo é ladrão!
                             Viva seá D. Guidinha,
                             Senhora deste sertão"

Imagem da capa do livro de José RamosTinhorão
(1928) jornalista e crítico de música)...
Prossegue Tinhorão: O romancista, alíás, não deixava dúvida quanto ao fato de a "fonção do samba" cearense referido pelo personagem Silveira constitui, tal como o fado carioca ,descrito por Manoel Antônio de Almeida, não apenas dança e rítmos determinados, mas uma sequência de diferentes toques e cantorias comandados no caso desse samba sertanejo pela cadência das violas e as batidas características do baião ou rojão : (...)


A cantora portuguesa, Amália Rodrigues cantando um
"fado carioca".
Depois desta "preliminar", aí estão três dos 11 sonetos que integram "Sons de Viola", de Manuel de Oliveira Paiva...


Na beira do lago


Como um tapete de risos
Num campo de paz fecundo,
Em cujos variados frisos
De prazeres brinca um mundo.


Ao ar sadio da aurora
Assim me parece o bando
Das aves, que a toda hora,
Vivem alegres vadiando.


Nas aguapés agrupados
A tona das águas brandas
Que o vento enruga de leve


E vêm descendo as manadas
Para as marginais varandas
De areia da cor de neve.


(por Manuel de Oliveira Paiva,
publicado em Sons de Viola-1884)




Quem pode, pode, bem-te-vi!


Oh Bem-te-vi! Que estou vendo?
Desrespeita a calvície,
A humildade e a sandice
Desse urubu reverendo?


Respeita a roupa de luto
A mudez e ao tamanho,
Mesmo ao nome que tem ganho
O pobre urubu matuto


Quer nos ares, quer posado,
Quer no campo ou na cidade
Não lhe poupas com teu bico!?


Acaso és tu copiado,
Nos moldes da humanidade?
É ele pobre e tu rico?


(por Manuel de Oliveira Paiva,
publicado em Sons de Viola, 1884)


Uma paisagem


Nos cajueiros os galos de campina
Soltam corridas como chuvas d'ouro;
E, ricos e preciosos, um tesouro
São pássaros, frutos, canto e tu, menina!


Soltas, à terna viola o desafio
Na rede armada entre os ramais, que o vento
Que traz de leste o refrescor do rio,
Embalada sussurrantes, ameno e lento.


Cantas e cantas mais. Oh  doce encanto
Que no cenário tem de uma paisagem
Nuns lábios virginais alegre canto!


Mas que contêm os bardos da plumagem
Ganharás sempre a eles, pois que tanto
És bela no cantar como na imagem.


(por Manuel de Oliveira Paiva,
publicado em Sons de Viola, 1884)






******


Estou indo, mas volto...........um forte abraço!





sábado, 10 de março de 2012

NO AMOR À SUA CIDADE, TERNURA POÉTICA...EM PROSA...

"O velho vovô" : mais um conto de ...
Manuel de Oliveira Paiva (1861-1892).
Porto do Mucuripe (Foto: google)
Em seu romance "A Afilhada", Oliveira Paiva (nome com o qual ficou mais conhecido), narra uma história social, fazendo evocações à sua cidade natal, Fortaleza, descrevendo lugares, ruas, bairros, com preciosos detalhes, por onde circulam os seus personagens. Neste conto, que agora trago a esta página, o autor descreve a região praieira, onde se instalou o primeiro porto da então província. Na sequência de fotos, postadas aqui, 
a partir da primeira,  do atual Porto do Mucuripe, os leitores verão imagens da Ponte Metálica, da Praia de Iracema (antiga Praia do Peixe), da Praia do Meireles, até ao primeiro porto,  um trapiche, numa regressão fotográfica ao passado...
Porto do Mucuripe, em Fortaleza, capital do Ceará, em foto recente...
COSTA DO SOL NASCENTE: praias do Ceará  a leste de Fortaleza.
COSTA DO SOL POENTE: praias do Ceará  a oeste de Fortaleza.....
(Foto; google)
Ponte Metálica,preservada, um dos antigos portos de Fortaleza, na 
Praia de Iracema (antiga Praia do Peixe), em foto recente. 
(Foto: google)

Aqui, abro um parêntese, para dizer um pouco da "história" dos portos de Fortaleza...:

A Ponte Metálica foi o porto de Fortaleza até a década de 1950.  Situa-se numa área na qual, por diversas vezes, existiu a construção de trapiches. O primeiro de que se tem notícia foi um trapiche datado de 1804. Depois foram construídos outros trapichesdos quais o chamado trapiche do Elery, construído pelo inglês Henry Elery, provavelmente em 1844, que é considerado o mais famoso deles. Em 1857, foi construído um terceiro trapiche, sendo seu construtor Fernando Hitzshky, o qual mediu 154 metros de comprimento por 17,60 metros de largura.
No século XIX, Fortaleza desenvolveu-se muito como cidade e ainda não possuía um porto para exportar produtos como algodão café e couros.
(Fonte: Wikipédia; Obs.: No texto pesquisado, há informações sobre o Porto do Mucuripe).

Porto do Mucuripe, na Praia do Mucuripe, em foto da década de
1940 (Arquivo Nirez)
Praia do Meireles, onde ainda vê-se os antigos coqueirais, por toda
a orla marítima...até a antiga Paraia do Peixe, atual Praia de Iracema 
(Foto: Arquivo Nirez).
Ponte Metálica, (antigo porto de Fortaleza) na Praia de Iracema.
(Foto: Arquivo Nirez)
Praia de Iracema, vendo-se ao fundo os antigos coqueirais (que
"deram lugar" às edificações (à esquerda) e a Ponte Metálica,
à direita, antigo porto, que está preservada. 
(Foto: Arquivo Nirez)

Um dos muitos trapiches que serviram de porto, em Fortaleza.
(Foto: Arquivo Nirez)
Este foi o  último trapiche , como porto de Fortaleza,
antes da Ponte Metálica, que foi preservada...
(Foto: Arquivo Nirez)


O velho vovô
por Manuel de Oliveira Paiva


O trapiche estava estava em seu antigo posto de honra, suspenso por uma elevada escada a cujos pés havia poços deixados pela maré, que se retraíra, e o oceano parecia magro, com os arrecifes à mostra, fugindo timoratamente, encolhido, medroso da terra. Uma interminável faixa de areia molhada, brandamente côncava, servia de guarda-pisa, entre o frouxel das ondas e o limiar da povoação. Em presença dessa  depressão geral do oceano, sentia-se a sensação de quem desce  -  a falta de fôlego de uma vertigem.

Pausadamente, homens quase nus, de tanga e ceroula curta à guisa de calções entravam pelo mar adentro e abeiravam-se, com água pelos peitos, dos lanchões que oscilava apenas, carregados de mercadorias. O calor do sol untava de suor a esses trabalhadores, de linda musculatura atlética, que suspendiam fardos, com admirável precisão mecânica, e traziam-nos para o seco. Outros, em movimento contrário, embarcavam algodão e café e couros, desempilhando altas  montanhas de gêneros acumulados pela areia, entre latadas de escaleres e esqueletos de lanchas velhas. Ao longe,  se avistava o branco velejamento das jangadas que repousavam fora do alcance das ondas. E, por toda parte, como cercando o domínio do velho trapiche, espalhavam-se  massas complicadas de ferro, quais membros esfacelados de um corpo gigantesco e bruto. Os navios amarrados, longe, lá estavam como abandonados no seio das águas, apenas visitados por tanchões vagarosos. E, de quando em vez, no deserto azul, passava a alvura imponente de uma jangada.

Recortado no peitoril do galpão que serve de vestíbulo à carcaça roxo-terra do velho trapiche, eu abismava o olhar nesse panorama vivo de sol, de terra e de águas. O firmamento era uma tela suspensa, que se encurvava, que se estirava pelos ignotos confins do poente que se cosia, rumo do norte, no debrum  longínquo do céu com o mar. A cidade  montada sobre mansos oiteiros, onde  outrora rastejaram o zéfiro e as ondas, parecia ir descendo para as areias brancas, seio amorenado pelo resfolegar da luz. Os tetos, como escudos de tartaruga, se agachavam ebriamente, sob os tufos aéreos dos coqueiros, que dedilhavam uma harmonia vaga, impalpável, com luzimentos quentes, e roçavam ilusoriamente no azul que nos abafa com aquele bojo infinito, que nos persegue por toda parte, no campo, à rua,, pelas frestas, e pelas nesgas que se entrevê de dentro mesmo das habitações; esse azul que nos enraiva, que desafia o olhar ambicioso do artista para devastar o além dessa casca terrível que os antigos foram obrigados a julgar solidamente brochada de estrelas, de lua e de sol.

Voavam nuvens, verdadeiros flocos de espumas esparsas, macias que pareciam roçar nossas faces como cabelos finíssimos de crianças. Aquele azul sublime entrava-me pelas narinas!

E, finalmente, o mar enchia. Aqueles rochedos negros que emergiam à altura do porto, ia ser abafados. O comércio não podia mais refrear o ímpeto da onda. Soava  a hora do paralisamento. Aí  daquele que se arriscasse  ao bruto! Os barquinhos e lanchas impavam aflitivamente. E só a jangada é que se aventurava a passar audaciosamente o rolo do mar.

Entretanto,  o seio virgem das areias era, pela primeira  vez, mordida pelo dente da ciência humana. O calmo inglês fazia aquele mesmo homem de tanga e ceroula à guisa de calção, batizar a sua terra pagã de indústria; e a fúria do mar batia-se tolamente; como os heróis da guerra ante os obscuros mineiros e os profundos pensadores: enterrava-se o primeiro pagão do viaduto, a primeira molécula daquele gigante que estava esfacelado pela praia  afora.

E a massa roxo-terra do velho trapiche balançava-se na maré cheia, como barco encalhado, oco, apenas com os camarins de empregados e apetrechos de embarcações; o lampião da vigia apagado, fumaçoso, com o azeite frio; a luz entrando pelas gretas; - ele caíra aos pedaços, triste pela decepção, macambúzio! - ele, o velho vovô, do tempo em que minha avó dizia à minha inocência de criança que os meninos vêm é do mar, quando eu lhe perguntava donde a gente.

Amo tanto aquelas tábuas, e aquelas ondas brancas de cujo turbilhão eu via a cada instante rebentar um nenenzinho!
(1887)


******

Vou e volto................................Um abraço!